Pesquisas do Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC, da sigla em inglês) apontam correlação entre o consumo excessivo de gordura saturada e a perda neuronal, que interrompe as vias de sinalização da saciedade. Os resultados foram apresentados no ciclo de palestras sobre obesidade infantil promovido pelo Centro, que aconteceu no salão nobre da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O OCRC é um Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), sediado na Unicamp e desenvolve atividades desde 2013.
“A estrutura da gordura saturada é semelhante à parede de alguns tipos de bactéria. O corpo reage, achando que está reagindo a uma bactéria e gera uma inflamação. Essa inflamação destrói toda a sinalização da saciedade”, explicou Bruna Bombassaro, pesquisadora do OCRC. Segundo ela, pesquisas recentes realizadas pelo grupo apontam que nos indivíduos obesos, mesmo tendo mais insulina e leptina que os indivíduos magros, esses sinalizadores de saciedade não funcionam. A interrupção da comunicação seria causada pela inflamação, gerada como resposta imunológica ao alto consumo de gordura saturada.
De acordo com a pesquisadora, a gordura saturada é amplamente utilizada pela indústria de alimentos para conferir características como crocancia, maciez ou palatabilidade aos alimentos. É também a gordura presente em carnes, lácteos, ovos e manteiga. Em uma dieta saudável, esses alimentos trazem a quantidade de gordura que o corpo precisa. Os alimentos ultraprocessados, por sua vez, trazem uma quantidade de gordura saturada muito maior do que o corpo está preparado para administrar. “Um hambúrguer de fast-food tem mais gordura saturada do que deveriamos comer no dia todo, em uma única refeição. Associada, ainda, a um monte de sal e açúcar. O problema é o excesso”, destacou.
Uma das pesquisas realizadas pelo grupo, relatada por Bruna Bombassaro, verificou morte neuronal pelo consumo exagerado de gordura saturada em camundongos. Submetidos a uma dieta hiperlipídica (com excesso de gordura saturada), por entre 8 e 16 semanas, os animais apresentaram morte dos neurônios responsáveis pela sensação de saciedade. “Os animais perdiam exatamente os neurônios que percebem que ele está alimentado e o levam a parar de comer”, afirmou Bruna Bombassaro.
Outro trabalho do grupo, apresentado pela pesquisadora, investigou, em humanos, por meio de ressonância magnética, a resposta do hipotálamo (região do cérebro responsável pela identificação dos sinais da saciedade) frente a estímulos de glicose. Nos indivíduos magros, foi verificada a resposta esperada da atividade do hipotálamo. Nos indivíduos obesos, essa atividade ficou muito abaixo do esperado. ”O hipotálamo não está sentindo a glicose como ele deveria sentir. Portanto, esse indivíduo não vai parar de comer, porque o cérebro não entendeu que ele consumiu aquela caloria e está satisfeito”, pontou Bombassaro.
O terceiro grupo avaliado foi de indivíduos obesos pós-cirurgia bariátrica. A resposta identificada foi intermediária. “O hipotálamo não respondia como um indivíduo magro, mas também já não respondia como um indivíduo obeso”, explicou. De acordo com a pesquisadora, esse resultado sinaliza uma recuperação neuronal parcial. Novos estudos estão sendo realizados para verificar se, ao longo prazo, a recuperação é total. “Outro trabalho do nosso grupo mostra o retorno de algumas das vias dessa inflamação quando o indivíduo volta a dieta normal. A princípio existe uma reversibilidade. Então, o segredo é realmente mudar completamente o hábito alimentar. Por isso falamos que a obesidade é social”, ressalta.
No caso da obesidade infantil, de acordo com Bruna, as pesquisas indicam que uma infância obesa aumenta em 30% chance do indivíduo se tornar um adulto obeso. A obesidade na adolescência aumenta em 50% essa chance. Um indivíduo que teve infância e adolescência obesas tem, portanto, 80% de chances de ser um adulto obeso. O grupo está investigando, agora, se esses dados são consequência apenas de hábitos alimentares, ou se os danos causados no hipotálamo da criança teriam um caráter mais definitivo do que na vida adulta. “O consumo de alimentos ultraprocessados é cada vez maior. Pesquisas recentes apontam que um terço das crianças abaixo de 2 anos consomem refrigerantes ou bebidas açucaradas cinco ou mais vezes por semana”, destacou Bombassaro.
A vilanização do carboidrato nos últimos anos também foi apontada por Bruna como um dos responsáveis pelo aumento do consumo de gordura e consequente aumento dos níveis de obesidade da população mundial. Segundo ela, apesar de engordar se consumido em excesso, o carboidrato não é capaz de gerar a resposta inflamatória, desencadeada pela gordura saturada. “O carboidrato não é reconhecido pelo corpo como um dano, como um perigo. Ele não interfere na resposta aos sinais de saciedade”, afirmou Bruna.