*Nelson Adriano de Freitas
A pandemia causada pelo Coronavírus alterou substancialmente o modo de vida das pessoas de todas as idades. No Brasil, nas primeiras semanas do isolamento social, podemos constatar um imenso crescimento do uso da tecnologia digital, que parece crescer exponencialmente e tão rápido como a progressão da contaminação do Coronavírus.
Essa transformação digital é tão acelerada no Brasil, que o próprio Supremo Tribunal Federal realizou no dia 14 de abril, as primeiras sessões por videoconferência da história da Corte. Da mesma forma, o Congresso Nacional adotou votação virtual. Também os serviços públicos de notas e registros, respaldados no Provimento 95 do Conselho Nacional de Justiça que autorizou Cartórios a manterem a continuidade do funcionamento de forma eletrônica, enquanto durar o isolamento social causado pelo Covid-19, adotaram o uso da tecnologia digital, tornando possível a outorga de procuração à distância com a mesma validade da procuração presencial.
Nessa mesma linha de transformação, as empresas dos diversos portes e setores promoveram, da noite para o dia, verdadeira mudança de procedimentos com adoção da tecnologia digital, possibilitando que os colaboradores desenvolvessem suas atividades de forma remota e, muitas vezes, sem a correta adequação de processos para garantia da segurança e inviolabilidade de propriedades industriais e segurança da informação.
Por outro lado, a intensificação do uso da internet possibilitou a coleta de dados com intensa facilidade, tornado estas informações em bens imateriais de elevado valor e fundamental importância estratégica para diversos órgãos públicos e empresas das mais variadas modalidades. Considerando isto, as atividades empresariais estão sendo repensadas e reorganizadas para o efetivo desenvolvimento de uma sólida ‘cultura da segurança da informação’.
Isto justifica o fato de que a proteção de dados pessoais no Brasil ter se tornado assunto de grande relevância e interesse da sociedade em geral. Não se pode negar que antes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o nosso ordenamento jurídico já dispunha de diversas leis esparsas, para tratar de diferentes aspectos das relações jurídicas que envolviam proteção de dados. Como exemplos, a própria Constituição Federal de 1988, que garante a inviolabilidade da privacidade e intimidade; o Código de Defesa do Consumidor que disciplina a criação de banco de dados de consumidores; o Código Civil, que regulamenta os direitos inerentes à personalidade; a Lei do Habeas Data, que regulamentou a retificação de dados; a Lei Complementar 105/2001, que trata do sigilo das operações financeiras; a Lei 12.527/2011, que regulamenta o acesso à informação; a Lei 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, que trata do crime de invasão de dispositivos informáticos, entre outras. Não obstante tudo isto, na esteira do modelo europeu de proteção de dados, no Brasil, a LGPD inaugura um novo período no qual a segurança da informação é foco de elevados investimentos e grande relevância.
Para tanto e desde já, independentemente do debate sobre a postergação da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, imperioso é o desenvolvimento da cultura da privacidade, do incentivo às boas práticas de forma a permitir plena transparência e segurança às relações jurídicas.
Devemos aceitar que a alegação de ausência da criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e a impossibilidade de aplicação de penalidades não são fundamentos aceitáveis, para qualquer resistência à mudança de comportamento, assim, diversas atividades de conscientização devem ser imediatamente adotadas e intensificadas, durante esse período de isolamento social e, consequentemente, de trabalho remoto. Essas atividades devem objetivar a formação de verdadeira cultura da proteção de dados independentemente da entrada em vigor da LGPD.
Referida cultura deverá ser de fundamental importância para superação do atual estado de calamidade pública, respaldando a grande preocupação com a privacidade de dados pessoais decorrente da maciça coleta, tratamento e manipulação de dados sensíveis e ligados à saúde. Isso pode gerar um efeito discriminatório intenso aos portadores de vírus, demandando, portanto, critérios efetivos e diferenciados contra incidentes de vazamentos desses dados pessoais.
*Nelson Adriano de Freitas é advogado, sócio e coordenador da área cível do Lemos Advocacia Para Negócios.