Clara Toledo Correa/Crédito: Roncon&Graca Com
*Artigo Clara Toledo Corrêa
Nos últimos tempos temos observado eventos que nos ensinam que nem tudo é absoluto e que, portanto, direitos e prerrogativas possuem pesos distintos diante de determinadas situações.
Assim, a liberdade de expressão não se faz absoluta quando se entremeia a crimes de preconceito ou que atente à vida de alguém ou de uma coletividade; o direito de propriedade, também assim é relativo devendo assistir uma função social como a própria Constituição preconiza.
Entretanto, quando estamos diante de bens jurídicos claramente maiores (sim, há uma mensuração entre bens maiores e menores) se faz mais fácil concluir a relatividade de um direito. Contudo, há institutos de direito que a discussão filosófica e até mesmo moral não se dá de forma tão clara e certa. E foi isso que ocorreu diante do caso do domínio público das obras de Graciliano Ramos e sua vontade devidamente expressada a seus herdeiros sobre não ter seus poemas assinados com pseudônimo publicados, uma vez que tais escritos não possuiriam uma boa qualidade literária, na visão do autor.
Há pouquíssimo tempo, também, vivenciamos a entrada de obras de Walt Disney para o domínio público, assim como já ocorreu com Monteiro Lobato e diversos outros autores e músicos renomados. Alguns, como Disney, traçaram estratégias para a perpetuação de sua propriedade imaterial (sempre observando o uso comercial) ao registrar personagens como marcas figurativas – o que não cabe em todo e qualquer caso. Dessa forma, o questionamento sobre o domínio público das obras atreladas aos autores então mencionados em si não foi algo que incomodou os herdeiros de tais figuras ou pelo menos não foi algo de fato explícito.
Discussões sobre Direitos Autorais e do Domínio Público podem ocorrer com frequência, pois mesclam questões patrimoniais, até a moral, personalidade e sucessão e herança. No caso de Graciliano Ramos, ainda, temos questões mais profundas do que tem sido de fato veiculadas (grosso modo), uma vez que a disponibilização das obras de forma gratuita não está sendo questionada em si, mas a exploração comercial por editoras que não necessariamente vão tornar os preços dos livros mais acessíveis à população – ainda que esta possa acessar as obras de forma virtual pela Biblioteca Nacional – lucrarão e não repassarão um percentual aos herdeiros (o que, independente de concordar ou não, está intimamente ligado à lógica capitalista em que vivemos), além da questão envolvendo o respeito à vontade do escritor de não publicação de determinadas obras.
Isso ocorre, pois os direitos da personalidade, do nascimento à morte do indivíduo e sendo este sujeito um autor de obra, tem esta e seus efeitos vinculados à sua vida e mais 70 anos após sua morte, assistindo, assim, seus herdeiros e sucessores. E, por outro lado, temos, também, a proteção “post-mortem” garantida em lei caso haja prejuízo (moral e material) devidamente comprovado pela família.
Todavia, acredito ser inquestionável a importância da publicação das obras rejeitadas por Graciliano Ramos para fins acadêmicos. Nesse ponto, ainda questiono com admiração, humor e total respeito, acerca da “qualidade duvidosa” que o autor atribuiu aos seus poemas, pois algo que não foi tão magistralmente escrito por Graciliano Ramos, segundo sua ótica, com certeza é extraordinário para qualquer reles mortal – o que seria de extrema riqueza para pesquisa científica e social.
Dessa forma, temos como já mencionado, um grande desafio para qualificar no caso em questão qual seria o bem jurídico maior e qual seria o menor a ser relativizado.
Clara Toledo Corrêa é especialista em Propriedade Intelectual e Industrial e Direito Autoral e é advogada na Toledo Corrêa Marcas e Patentes. clara@toledocorrea.com.br