Jornal de Campinas

Artigo: A batalha dos pacientes oncológicos contra os planos de saúde no Brasil

Pedro Quagliato/Crédito: Roncon&Graça Com

planos de saúde

*Pedro Quagliato

Imagine estar diante do maior desafio da sua vida: o diagnóstico de um câncer raro e agressivo. Agora, some a isso a recusa do seu plano de saúde em custear o tratamento prescrito pelo seu médico. Infelizmente, essa é a realidade enfrentada por muitos brasileiros — e foi exatamente o que viveu um morador de Campinas (SP), cuja história foi registrada em decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

O paciente foi diagnosticado com um tumor de pâncreas – uma condição grave que exige tratamentos modernos e contínuos. Com a progressão da doença, foram indicados medicamentos de alto custo, mas o plano de saúde se recusou a custear o tratamento, alegando que os remédios não constavam no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) – a lista de procedimentos considerados obrigatórios pelas operadoras.

 

Sem alternativa e com urgência no tratamento, o paciente precisou arcar com dezenas de milhares de reais em despesas médicas. Em situações como essa, é comum ver a família se desdobrando. Vendendo bens, desfazendo-se de patrimônio, abrindo mão de reservas para custear o mínimo necessário à sobrevivência de quem se ama.

A única saída foi recorrer ao Judiciário — que lhe deu razão em todas as instâncias: na Vara Cível (primeira instância), no Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP (segunda instância) e, por fim, no Superior Tribunal de Justiça – STJ (terceira instância). Os tribunais reconheceram que, embora o rol da ANS sirva como referência, ele não pode ser usado para negar terapias prescritas por médicos especialistas. “Se a doença está coberta, não se pode negar o tratamento necessário para combatê-la”, pontuou um dos julgadores.

 

A situação não é isolada. Casos semelhantes têm se multiplicado nos tribunais do País. De um lado, operadoras que alegam limites contratuais e altos custos. Do outro, pacientes que lutam contra o tempo e a burocracia, muitas vezes debilitados, física e emocionalmente. O Judiciário tem sido chamado a intervir para garantir o que deveria ser básico: o acesso a um tratamento adequado e digno.

 

A judicialização da saúde expõe uma face dura da realidade brasileira. Enquanto as famílias se mobilizam e se sacrificam para salvar seus entes queridos, muitos planos de saúde impõem obstáculos administrativos e contratuais, que só aumentam o sofrimento. Mesmo quando há decisão favorável, o processo costuma ser lento – e o tempo, para um paciente oncológico é fator decisivo.

 

Atuar judicialmente em casos como esse é um enorme desafio humano e profissional. Lidar com a urgência do tratamento e com a fragilidade emocional dos pacientes e de seus familiares exige empatia, prontidão e sensibilidade. Cada minuto importa — mas do outro lado está a lentidão do sistema judiciário, que nem sempre acompanha a velocidade com que a doença avança.

 

É angustiante ver famílias ansiosas por uma resposta que pode definir a continuidade de um tratamento, enquanto enfrentamos protocolos processuais e prazos legais que desconsideram a urgência imposta pela doença. Ainda assim, é justamente nesses casos que a advocacia mostra sua dimensão mais nobre – lutar, com técnica e sensibilidade, pelo direito à vida.

 

(Artigo produzido com base em decisões públicas do Tribunal de Justiça de São Paulo. Nomes e detalhes foram suprimidos para preservar a identidade dos envolvidos)

 

 *Pedro Quagliato é advogado especialista em Direito da Saúde e do Consumidor, no Quagliato Advogados.

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