Artigo ressalta avanços em diagnóstico e tratamento nas últimas décadas, mas alerta para necessidade de ampliar programas de rastreamento neonatal
Nunca foi tão grande a possibilidade de surgirem novos tratamentos para as doenças falciformes – causadas por alterações genéticas na hemoglobina, proteína que transporta o oxigênio e dá a cor avermelhada ao sangue. Ainda assim, é necessário investimento constante em políticas de saúde, como os programas de rastreamento em recém-nascidos, sobretudo na África Subsaariana.
As conclusões são de um amplo estudo de revisão publicado na Nature Reviews Disease Primers e assinado por especialistas dos Estados Unidos, Reino Unido, Gana e Brasil.
A todos os distúrbios causados por alterações na hemoglobina dá-se o nome de hemoglobinopatias. Entre esses distúrbios estão as doenças falciformes, sendo a mais grave delas a anemia falciforme. Outras hemoglobinopatias com bastante importância médica são as talassemias, formas de anemia crônica hereditária com diferentes graus de severidade.
“Houve grandes avanços nos últimos anos em diagnóstico e tratamento. E haverá outros. No entanto, nos países pobres, o número de doentes tende a crescer. É preciso olhar sobretudo para a África e para a Ásia, mas também para o Brasil, porque aqui os recursos para o sistema público de atenção médica não só não estão aumentando, como parecem estar sendo reduzidos. Todo o progresso que tivemos está hoje em risco”, disse Fernando Ferreira Costa, pesquisador do Centro de Hematologia e Hemoterapia (Hemocentro) da Unicamp e único brasileiro entre os autores.
Costa se refere à existência dos hemocentros e ao suporte do Sistema Único de Saúde (SUS) para o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), que entre outras ações oferece o teste do pezinho, capaz de detectar hemoglobinopatias e outras seis doenças precocemente. Além disso, Costa destaca a importância do SUS no fornecimento gratuito do principal medicamento usado para tratar a anemia falciforme, a hidroxiureia, e na realização de transfusões de sangue necessárias a muitos pacientes.
“O Brasil teve progressos notáveis e conseguiu formar centros de excelência. Houve um grande desenvolvimento nas últimas décadas em diagnóstico, tratamento e pesquisa”, disse Costa, responsável pelo Projeto Temático “Doenças dos glóbulos vermelhos: fisiopatologia e novas abordagens terapêuticas”, financiado pela FAPESP.
O artigo ressalta a decisão do FDA, órgão que regula medicamentos e alimentos nos Estados Unidos, de considerar prioritário o desenvolvimento de novos tratamentos para as doenças falciformes, o que facilitou investimentos da indústria farmacêutica. Por conta disso, muitos medicamentos que têm como alvo um ou mais mecanismos que contribuem para o desenvolvimento de algumas dessas doenças estão em fase de testes em humanos.
“Os prospectos para novos tratamentos em doenças falciformes nunca foram tão favoráveis”, escreveram os autores.
Mutação hereditária
A anemia falciforme é a mais grave e prevalente entre as doenças falciformes. Em portadores da doença, os glóbulos vermelhos do sangue (hemácias) ganham a forma de meia-lua ou foice depois que o oxigênio é liberado – daí o nome falciforme. Essas células deformadas se tornam rígidas e propensas a se polimerizar, ou seja, formar grupos que aderem à camada celular interna dos vasos sanguíneos (endotélio), o que dificulta a circulação do sangue.
A condição pode levar à oclusão de vasos sanguíneos. Além de causar episódios imprevisíveis de dor, aumenta muito as chances de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC), doença renal crônica e embolia pulmonar, entre outras complicações. “É uma doença crônica, que exige acompanhamento para o resto da vida”, disse Costa à Agência FAPESP.
A hidroxiureia é o medicamento usado hoje para evitar esse quadro. Ele aumenta a produção de uma proteína denominada hemoglobina fetal, que dificulta a polimerização da hemoglobina defeituosa. Dessa forma, reduz o risco de vaso-oclusão.
Nos últimos anos, pesquisadores do Hemocentro descobriram outros usos da droga, como prevenir as complicações da hemólise, destruição das células vermelhas do sangue e posterior liberação da hemoglobina existente em seu interior na circulação, que pode levar a um estado inflamatório crônico (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/21900/).