Por Breno Rosostolato
A sociedade de consumo, a mídia e a internet, isso para citar alguns exemplos, fornecem um arsenal de informação para estas pessoas que por sua vez, em desenvolvimento e sedentos de curiosidade, dúvidas e questionamentos no que se refere ao corpo, prazer, desejo e o outro. Muitas destas curiosidades e descobertas consistem em explorar também este outro, logo, a iniciação sexual também acontece cedo e, muitas vezes, causa ainda mais incertezas e dilemas.
Se muitas pessoas tiveram contato com o ato sexual antes dos 15 anos, que tipo de preparo e respaldo estes adolescentes tiveram? A educação sexual que deveria acontecer com mais frequência na própria casa, entre pais e filho, não é uma constante, levando-se em conta que muitos destes pais também não tiveram educação sexual, ou seja, não conversavam com os pais sobre sexo e sexualidade.
Reflexão
Refletir sobre educação sexual perpassa a questão reprodutiva e necessita de profundidade e contextualização. Caberia, então, às escolas participarem junto à família deste processo de construção e desconstrução sobre sexualidade e os padrões sociais? Hoje no Brasil não existe nenhuma lei que obrigue as escolas a inserirem a educação sexual em seus currículos. O que de fato existe são sugestões para debater sempre que possível o tema. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) sugerem que o assunto seja trabalhado em todas as disciplinas, sempre que uma oportunidade aparecer.
O número de escolas que se propõem ao debate sobre sexualidade vem crescendo, bem como projetos nacionais que abordam a Educação Sexual relacionada à saúde. Estes debates são viabilizados mesmo sem uma legislação específica.
Exemplo disso é que desde 2003 o Programa ‘Saúde e Prevenção nas Escolas’ (SPE) consiste em promover a saúde sexual através da redução à vulnerabilidade de adolescentes e jovens às doenças sexualmente transmissíveis (DST), à infecção pelo HIV e à gravidez não planejada. Esta proposta foi elaborada pelo MEC e Ministério da Saúde e qualquer escola pode aderir. É só entrar em contato com a Secretaria de Educação do Estado.
Escolas
As questões sobre uma Educação Sexual nas escolas esbarram em algumas resistências, desde um sentimento de desconfiança por parte de pais, cuidadores e responsáveis que questionam o teor e conteúdos das aulas e até mesmo o medo, o anseio e o conflito que alguns professores vivenciam por não saber abordar tais temas.
Para Maria Helena Vilela, educadora sexual e diretora do Instituto Kaplan é ‘fundamental também como educador sexual, pois, para muitos alunos esse profissional é a única pessoa com quem eles podem contar para ampliar seus conhecimentos sobre sexualidade e desenvolver uma nova visão sobre fatos que, às vezes no seu meio social, podem ser tratados como sem importância para a vida deles, como é o caso da decisão sobre a primeira vez ou a gravidez na adolescência’.
As dificuldades, além das resistências da família e limitações dos próprios professores, de uma proposta de uma Educação Sexual sustentam-se em tabus e preconceitos. Um bom exemplo disso é que em 1998 o eixo de orientação sexual foi inserido nos ‘Novos Parâmetros Curriculares’, mas não se tornou uma realidade até hoje.
Gênero
Em 2015 houve uma grande discussão social sobre a inserção dos conceitos de gêneros e, consequentemente, o debate nas escolas. Gênero é a palavra do momento, mas foi banido do texto final do PNE (Plano Nacional de Educação) que traça diretrizes para o setor e que entrou em vigor este ano. Este impedimento aconteceu muito em função da bancada evangélica no Senado que pressionaram Estados e municípios para retirar o termo ‘gênero’ e referências às questões de gênero.
Mas o movimento social é muito mais do que ir contra a mutilação aos planos de ensino, mas discutir e implementar ações que de fato possam contribuir para combater as barbáries que acontecem pela falta de conhecimento. Discutir gênero e, portanto, educação sexual, é em primeiro lugar debater posicionamentos entre homens e mulheres sem aniquilar diferenças, mas praticar a tolerância e aceitação entre as pessoas, equidade sociais e garantir que a escola seja um espaço democrático e mais justo.
A Educação Sexual reflete sobre o machismo e a misoginia. É rediscutir as configurações familiares. Inclusive, é convidar a família a um olhar ampliado para poder acolher as diferenças. A Educação Sexual propicia reflexões que visibilizem as questões relacionadas ao corpo, à orientação sexual. É combater a violência de gênero dentro e fora das escolas.
Comparação
Para uma rápida comparação e perceber a urgência que outros países possuem ao inserir uma Educação sexual nas escolas vejamos o exemplo do governo da Grã-Bretanha, que criou um projeto de lei que determina que crianças a partir de 11 anos comecem a ter aulas de educação sexual, mais especificamente aulas sobre consentimento em relações sexuais.
O objetivo é propiciar uma melhor compreensão sobre a sociedade em que vivem, para que assim possam tomar decisões de uma maneira mais bem informada e ficarem mais seguros. Uma preocupação plausível tendo em vista as questões de abuso sexual de menores e os altos índices de pedofilia.
A primeira preocupação é ‘dar aos jovens ferramentas para navegar por situações românticas normais com pessoas do seu convívio, em um cenário em que um ou os dois envolvidos possam ir longe demais com algo que eles não estão maduros para entender completamente’. A segunda diretriz reflete sobre ‘preparar o jovem para que identifique e se proteja de abusos ou de exploração por parte de um adulto’.
Livros
Aqui no Brasil ainda estamos discutindo o que é gênero. Proibiu-se a distribuição de informativos e livros que buscam informar sobre sexualidade através de argumentos de que este material poderia incentivar a promiscuidade e desvirtuar crianças e adolescentes. Notícias mentirosas sobre ‘kit gay’ foram difundidos, causando equívocos, desinformação e um desserviço. Anula-se de maneira arbitrária propostas bem-intencionadas, tendo como cenário o preconceito e distorções de ideias.
Falar sobre sexo com o filho ainda é uma dificuldade para inúmeros pais. Resistência, vergonha, situações constrangedoras e falta de desenvoltura são alguns fatores que impossibilitam os adultos de entrarem em contato com este aspecto nos filhos. Muitos pais, por conta da própria educação, de uma criação rígida e muito reprimida sexualmente, perpetuam esta rigidez e conceitos que deveriam ser quebrados se mantêm quase que intocáveis e criam raízes, cada vez mais sedimentadas e petrificadas. A escola poderia ajudar contribuir para romper com estes paradigmas.
Acontece que a atual geração não vê mais limites para falar sobre o assunto. Ao contrário, os adolescentes solicitam uma explicação e orientação sobre um assunto que é costumeiro na roda de amigos, faz parte do cotidiano, das baladas, na internet.
Falar
Falar é necessário e conviver com um mundo sexualizado, que autoriza o jovem a se entregar à prática, é muito distante ainda da construção que esses adolescentes fazem sobre sexo, prazer e desejo. As lacunas existem e para algumas pessoas são verdadeiras crateras, que crescem e mantém uma percepção empobrecida de si e dos outros. Muitos jovens, fechados no próprio mundo, acham nos amigos uma válvula de escape sobre suas questões e dúvidas mais íntimas. Se não encontra acolhimento na família e nem na escola, vai buscar estas informações em qualquer lugar. E fica vulnerável.
Muito ainda precisa ser feito para que a escola seja legitimada como um lugar de conhecimento, também sobre sexualidade, tendo instrumentos e materiais à disposição de educadores e alunos, bem como procedimentos e uma metodologia que sejam consistentes para embasar aulas com propostas de refletir sobre os vários aspectos da sexualidade. Tudo isso ainda muito nebuloso.
Os pais não deveriam ser coadjuvantes nesta construção, mas protagonistas junto aos filhos. As escolas particulares e públicas que precisam alinhar propostas e alternativas para oferecer uma Educação Sexual que seja satisfatória e que desconstrua padrões e normas coercitivas. Brasil, uma pátria educadora, mas de educação restritiva.
Breno Rosostolato, psicólogo, educador e terapeuta sexual, terapeuta de casais e professor da Faculdade Santa Marcelina