De acordo com o médico e diretor-presidente da ABLC, José Carlos Souto, estudo se junta a vários outros indicando os benefícios deste tipo de alimentação para combate à demência e ao Alzheimer
A relação entre uma dieta com excesso de carboidratos (açúcar) e o surgimento de doenças degenerativas no cérebro, como o Alzheimer, já vem sendo aventada há tempos pela comunidade científica. Recentemente, um novo estudo, realizado pela universidade nova-iorquina Stone Brook, concluiu que mudanças neurobiológicas associadas à idade – ou melhor, o envelhecimento do cérebro que pode levar a falhas cognitivas – podem ser evitadas ou revertidas com base em mudanças na dieta, que envolvem minimizar o consumo de carboidratos simples ou por meio da ingestão de cetonas (ou corpos cetônicos).
Antes de mais informações a respeito do novo estudo, vale abrir um parêntese para explicar o que são corpos cetônicos. Conforme o médico, diretor-presidente da Associação Brasileira Low Carb (ABLC), José Carlos Souto, corpos cetônicos são moléculas produzidas no fígado através da metabolização da gordura, capazes de gerar energia alternativa ao corpo. Numa dieta low carb, a gordura natural dos alimentos não é demonizada, e agrega sabor, além de aumentar a saciedade que é própria às proteínas. Souto explica que por serem moléculas grandes as gorduras não podem chegar diretamente ao cérebro, mas os corpos cetônicos, quebrados no fígado, conseguem.
O problema é que para conseguir utilizar adequadamente as cetonas como fonte de energia as pessoas precisam estar adaptadas a um dieta cetogênica, com baixíssima quantidade de carboidratos. “No mundo atual, uma pessoa que passou a vida inteira comendo carboidratos de três em três horas atrofiou sua capacidade de usar gordura como combustível. Assim, se ficar sem açúcar ou em jejum pode passar mal”, diz Souto, destacando que, porém, há estudos in vitro que mostram que o combustível preferido dos neurônios são os corpos cetônicos e não a glicose.
Constatação corroborada pelo novo estudo norte-americano, que consistiu na análise de neuroimagens do cérebro de mais de 1 mil pessoas, entre 18 anos e 88 anos. Os participantes foram submetidos por uma semana a uma dieta padrão (irrestrita) versus uma dieta low carb. Além disso, beberam uma pequena dose de glicose e corpos cetônicos. Constatou-se que em uma dieta padrão, o principal combustível metabolizado foi a glicose, enquanto em uma dieta com baixo teor de carboidratos, o principal combustível metabolizado foram as cetonas. De acordo com a análise dos exames, a glicose diminuiu e os corpos cetônicos aumentaram a estabilidade das redes cerebrais. Os pesquisadores reputam esse efeito ao fato de que as cetonas fornecem mais energia às células do que a glicose.
Os cientistas sublinham a relevância do resultado para o futuro do tratamento de doenças degenerativas cerebrais, haja visto que o envelhecimento do cérebro, especialmente a demência, está associado ao hipometabolismo, no qual os neurônios perdem gradualmente a capacidade de usar a glicose como combustível de modo eficaz. Sem a glicose, os neurônios acabam morrendo de fome e as redes cerebrais se desestabilizam. Portanto, de acordo com os pesquisadores, ao dar indícios de que a quantidade de energia disponível no cérebro é aumentada através de um combustível diferente (cetona), abre-se a possibilidade de restaurar o cérebro e retardar o envelhecimento de seu funcionamento.
Sobre a pesquisa, o diretor-presidente da ABLC destaca o fato de ela ter sido realizada em humanos, diferentemente de outros estudos que estabeleceram a relação entre carboidratos e mau funcionamento do cérebro por meio de testes in vitro.
Vale ressaltar, contudo, conforme Souto, que os resultados foram vistos em exames e trata-se de um estudo de mecanismos, em que não se consegue estabelecer um relação de causa e efeito. “Assim, não é possível afirmar, por meio dele, que uma estratégia alimentar low carb ou cetogênica irá reduzir o risco de desenvolver alterações degenerativa cerebrais”, diz. Mesmo assim, segundo o médico, é de grande importância, pois se junta a vários outros estudos menores como indício dos benefícios deste tipo de alimentação para doenças neurodegenerativas.
Por enquanto, o que já foi comprovado cientificamente, através de estudos clínicos randomizados – que conseguem estabelecer causa e efeito – é que uma alimentação pobre em carboidratos e rica em proteínas e gorduras é capaz de melhorar e às vezes reverter o diabetes, a obesidade, a síndrome metabólica e a resistência à insulina. “Ora, sabemos que tais condições são todas fatores de risco estabelecidos para demência e Alzheimer, logo uma alimentação low carb, em teoria ao menos, pode ser útil na prevenção destes quadros”, afirma.