Em março deste ano publiquei uma coluna sobre a mobilização da ciência em tempos de Covid-19, logo após sua decretação como pandemia global pela Organização Mundial da Saúde. Naquele texto[I], agora já longínquo, comento rápida e resumidamente como a ciência, vista como atividade humana, se reorganiza e se mobiliza em face a uma emergência dessa magnitude em busca de respostas para enfrentar, mitigar e, finalmente, superar a crise, além de entendê-la, para estarmos preparados para as eventuais futuras pandemias. Para o enfrentamento e mitigação muitas respostas foram encontradas. Para a superação, por meio de vacinas, por exemplo, a ciência ainda trabalha para validar as várias respostas que ela mesmo propõe. O entendimento segue, mas ainda é incompleto, o Sars-Cov-2, continua revelando surpresas.
A incrível resposta da ciência
No começo do ano eu exemplifiquei a mobilização com um conjunto de dados muito simples: o número de artigos publicados sobre o assunto. No caso, artigos validados pela comunidade científica e que por isso aparecem em revistas indexadas (porque atendem a um conjunto de critérios necessários para sua credibilidade) em uma prestigiosa base de dados, a Web of Science. Vale lembrar que essa base é um recorte apenas, não inclui tudo que é validado, indexado e de credibilidade. Mesmo assim, fornece um bom panorama e o gráfico de março, para artigos com o tópico coronavírus ao longo dos anos é reproduzido aqui.
O avô do atual coronavirus foi batizado assim na década de 1960, depois que foi visto em detalhes, através de um microscópio eletrônico por June Almeida em 1965[II]. O gráfico mostra os artigos sobre o vírus a partir de 2000. Em março comentei que “os aumentos de produção científica em anos anteriores, 2002, 2012 e 2015, devem-se a surtos e epidemias relacionados a cepas mais antigas do Coronavírus: Sars, Sars-Cov e MERS, respectivamente. Ainda estamos no começo de 2020, mas uma projeção simples e subestimada para este ano (barra laranja) indica o enorme esforço e engajamento da ciência para enfrentar a atual pandemia. Artigos normalmente demoram para ser publicados, mas esse ritmo também se modifica na crise”.
Projeções assim, como a dessa barra laranja, são sempre imprecisas, mas sete meses depois o erro dessa projeção se verifica impressionante. A mobilização foi muito maior do que poderíamos imaginar, como mostra o gráfico atualizado em 12 de outubro. A projeção inicial foi superada por mais de uma ordem de grandeza: a barra laranja, indicando o número de artigos publicados em 2020, ainda é incompleta, pois 2020 ainda não terminou. O número exato auferido em 12 de outubro é 19.064. Em 20 de outubro, somente oito dias depois, já são 20.231, cerca de 270 a mais.
*Peter Schulz foi professor do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor titular da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de artigos em periódicos especializados em Física e Cienciometria, dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da interdisciplinaridade. Publicou o livro “A encruzilhada da nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos” (Vieira & Lent, 2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São Paulo (2010).
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