*Luiz Roberto Saviani Rey
Há Situações e condições humanas que não podem ser compreendidas e analisadas, avaliadas e julgadas a um só juízo e momento, como querem e propõem autoridades, especialistas e o senso comum, agora, em relação ao massacre de Suzano. Teses, argumentos, atribuição de culpas e trocas de acusações em nada contribuem para esclarecer e elucidar os fatos de maneira mais profunda, de causas e raízes, quanto mais levar à compreensão de razões, motivos e origens de uma violência descabida e sem freios. É fácil, simploriamente, dizer sem erro de cálculo que o estímulo ao tiroteio como forma de campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, asseclas e defensores, tenha influído no anseio por vingança da parte de ambos os estudantes que invadiram a Escola Estadual Raul Brasil e mataram sete pessoas, depois do assassinato de parente de um deles, em locadora de automóveis. O gesto de fazer arminha com as mãos correu por todos os pontos cardeais do Brasil por meses, e é provável que tenha suscitado em espíritos violentos o incentivo à materialização do ato. Contudo, é certo que há muito mais de ingredientes vitais e sociais nessa tragédia, a qual suscita reflexões mais profundas e responsáveis. A questão maior que parece soerguer de todo o episódio de Suzano reside em aspectos da antropologia e conformação de uma sociedade que, desde os primórdios, prima pela consagração e consolidação de um país, de um estado, voltado apenas a construir a solidez, a riqueza e o patrimônio de um estrato seletivo, que, por natureza, torna-se dirigente de si mesmo, de protetor de seus interesses mercantis e pecuniários, relegando a camada pobre, sem dar importância, valor, à construção de uma sociedade igualitária em seus termos, medidas, alcance e possibilidades. A distribuição de rendas e o equilíbrio entre as faixas sociais, tão presentes e reguladores em países de grande e médio portes econômicos, por aqui são vistas como elementos a serem derrubados por terra, tal a mesquinhez e a avareza de quem possui e controla as riquezas desmedidas.Sem contar a corrupção, também de vasta idade, que solapa recursos e impede avanços sociais. Assim, nesse caldo secular, a imensa maioria da população, encravada nos extensos bolsões de miséria sobrevive há séculos às intempéries do desprovimento material, da ausência de ganhos salariais dignos, do incômodo e do desconforto de ter que se abrigar de maneira precária em favelas e aglomerados sem a atenção do poder público quanto às utilidades e equipamentos urbanísticos, sem saneamento básico decente, sem atenção à saúde e mais, sem políticas públicas consistentes que induza a uma escolaridade regular e à educação efetiva. Desse caldo inculto e tenso, saem os jovens à procura do sol, com o preparo e a deseducação que os reveste, desde o berço, resultando em pessoas medianas, ignaras, muitas vezes incapazes de corrigir o mau comportamento adquirido em uma infância e juventude sem atavismos familiares, sem proteção e aconselhamento. É preciso resgatar a infância e a juventude do lagar do imaterial e do abandono com projetos sociais estimulantes. Como vemos, uma condição antropológica que não emerge do momento, mas que se arrasta há décadas, e que tende a se agravar na medida em que todos os governos passados – e também o presente – negam-se a promover as reformas mais profundas e sociais tão necessárias a tornar o Brasil uma nação real. O restante, é discussão inócua e conversa fiada para fazer sapo dormir às margens plácidas e ao som do mar e à luz do céu profundamente escuro!
*Luiz Roberto Saviani Rey é Jornalista, escritor e professor universitário