Raphaela Kaizer advogada na TMB Advogados/Foto: Celso de Menezes
Todos sabem que o Brasil possui uma legislação tributária extremamente complexa, com inúmeras regras aplicáveis a cada um dos tipos de apuração, principalmente quando estamos tratando de tributação de empresas.
No final do último mês, a 2ª Turma do STF julgou mais uma importante discussão envolvendo a tributação das empresas no Brasil: a trava dos 30% para compensação de prejuízos fiscais acumulados em exercícios anteriores em caso de extinção de empresas.
De acordo com a norma tributária vigente no Brasil, uma empresa tributada de acordo com o lucro real é aquela que apura o lucro considerando a diferença entre as receitas auferidas e as despesas e custos pagos. A regra não é tão simples assim quanto se parece, mas, para fins desse texto, esse é o entendimento necessário.
Feitas tais considerações, passemos ao tema proposto: a dedução de prejuízos fiscais acumulados em exercícios anteriores no lucro apurado pelas empresas tributadas pelo lucro real.
Prejuízos fiscais acumulados em exercícios anteriores, nada mais são do que a soma do resultado negativo de uma empresa no decorrer dos anos.
De acordo com a legislação, as empresas podem deduzir esses prejuízos anteriores com o lucro apurado no exercício vigente, porém, essa dedução está limitada a 30% do valor do prejuízo acumulado, a tão famosa “trava dos 30%”.
Vejamos um exemplo prático: a empresa mantém um prejuízo de exercícios anteriores no importe de R$ 100 mil; no último exercício apurou-se um lucro de R$ 50 mil; de acordo com a legislação, o lucro tributado será de R$ 20 mil, pois, dos R$ 100 mil de prejuízo acumulado, apenas 30 mil poderá ser deduzido do lucro do exercício.
A compensação continua sendo utilizada pelas empresas no decorrer dos anos, ou seja, as empresas em atividade poderão ao longo dos anos zerar esse prejuízo, com a dedução ano a ano. Essa norma que limita a dedução aos 30% já foi apreciada pelo STF em 2019, sendo julgada constitucional.
No entanto, na decisão de 2019, o STF não se pronunciou sobre as situações em que a empresa detentora do prejuízo encerra suas atividades. No exemplo dado acima, imaginemos que esse é o último ano de atividade da empresa. Da forma como está a legislação, a empresa tributará os 20 mil e perderá os 70 mil restantes que não puderam ser deduzidos. Essa foi a situação julgada no último dia 30/06 pela 2ª Turma do STF.
Na atual decisão proferida pela STF, os Ministros julgaram constitucional a trava dos 30%, mesmo na situação de encerramento das atividades da empresa, ou seja, mesmo a empresa perdendo o direito a essa compensação, a norma permanece constitucional.
Na visão do Ministro Edson Fachin, voto vencido na decisão, tal entendimento fere os princípios da capacidade contributiva, a vedação do confisco e a igualdade entre contribuintes.
Segundo esse entendimento, a tributação do Imposto sobre a Renda (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) deverá sempre incidir sobre o lucro apurado. Ocorre que, da forma como decidido pelo STF, o que se está tributando nesse cenário não é lucro, mas parte do patrimônio da empresa.
Se a trava dos 30% julgada constitucional pelo STF já não faz sentido quando se tem uma empresa em atividade, onde será possível se chegar ao esgotamento integral do resultado negativo, ainda que perdure longos anos, o que dizer quando a empresa encerra suas atividades sem poder utilizar a integralidade do resultado negativo no seu último exercício. Ou seja, a empresa encerrada tributará o seu resultado como sendo lucro, que não é, pois, caso não existisse a “trava dos 30%”, sua tributação naquele momento seria reduzida ou inexistente.
Aceitar a decisão proferida pelo STF é validar a tributação pelo IRPJ e pela CSLL daquilo que não é lucro, mas sim patrimônio da empresa.
A decisão do último mês não vale para todos, ainda que signifique a posição de uma parcela dos Ministros do STF, já que a questão foi decidida com placar de 4×1 na 2ª Turma do STF. Há discussão semelhante pendente de julgamento na 1ª Turma do STF, portanto, esse importante tema ainda será muito discutido perante o próprio STF.
Concluímos, por fim, que mais uma vez o STF perdeu a oportunidade de resolver um problema legislativo que visivelmente viola princípios constitucionais fundamentais.