Luciana Lanna Lemos/Foto: Roncon&Graça Comunicações
*Luciana Lanna
A invasão Russa na Ucrânia tem trazido reflexões quanto aos efeitos que o mercado financeiro globalizado tende a produzir na sociedade e seus valores. Nesse sentido, parece pertinente buscar compreender qual o papel do ESG (sigla americana para Ambiental, Social, Governança) frente a atual geopolítica no leste europeu.
O atual questionamento é como a ética estabelecida no contexto ESG irá lidar com a Rússia, com toda sua relevância financeira no mercado global?
A governança ESG possui um limite de atuação, e certamente, a partir de determinado ponto, a conservação de um ambiente favorável de negócios irá prevalecer. Contudo, este cenário belicoso força as instituições financeiras, empresas e Estados a enfrentarem questões desconfortáveis sobre o quão dispostos eles estão a cortar o fluxo de dinheiro russo, e, em alguns casos, o acesso às commodities russas.
Não obstante todos os esforços do ocidente para tentar bloquear o fluxo de dinheiro russo pelo mundo, existem outros interesses econômicos que também devem ser levados em consideração. Um exemplo é a empresa americana Cargill, gigante mundial no agronegócio e que detém grandes operações na Ucrânia. Em recente declaração sobre a situação na Ucrânia, a empresa se limitou a informar sobre a situação de seus empregados e iniciativas para ajudas humanitárias. Porém, evitou criticar a invasão Russa, por razões óbvias, já que também opera naquele país.
Em uma conclusão preliminar é possível afirmar que, principalmente as entidades privadas que optarem por manter uma relação comercial com a Rússia, podem ter que lidar com questões de ordem ambiental, social e governança (ESG) levantadas por investidores que podem não ver com bons olhos uma abordagem do business as usual, à medida que a Rússia intensifica seu ataque à Ucrânia.
O ponto é que, a guerra entre Rússia e Ucrânia acontece em um momento estratégico e sensível, pois investidores em todo o mundo estão considerando cada vez mais os fatores ESG ao lado do desempenho financeiro de uma empresa, para identificar oportunidades de crescimento e riscos materiais e exigindo que as empresas divulguem uma quantidade crescente de informações relacionadas a ESG.
Dessa forma, o combate entre as ex-repúblicas soviéticas certamente colocará a ESG à prova, e, até o momento, parece estar ganhando mais força e relevância. Nesse sentido, várias empresas ocidentais têm anunciado planos de desinvestimento em seus empreendimentos russos como BP, que informou que deixará sua participação de quase 20% na petrolífera russa Rosneft; a Shell planeja sair de suas parcerias de capital com a estatal russa de energia Gazprom; o Grupo Mercedes-Benz está explorando opções para vender rapidamente sua participação de 15% na montadora russa Kamaz; a empresa de energia norueguesa Equinor, que informou sua decisão de interromper novos investimentos na Rússia e iniciar o processo de saída de suas joint ventures no país, entre vários outros exemplos.
Tais medidas – combinadas com relatórios de que as entidades russas devem ser removidas dos índices ESG dos bancos – provavelmente pressionarão os concorrentes a tomar medidas semelhantes. Em contrapartida, em um esforço dialético, é necessário analisar o outro lado da moeda. Primeiro é que, anunciar planos de desinvestimentos é muito diferente do que realmente desinvestir. Muitas empresas com investimento na área petrolífera já estavam caminhando para uma redução na sua emissão de carbono, sendo a atual guerra uma motivação para antecipar essas saídas.
Igualmente importante é a questão energética dos países europeus. Cerca de 25% do consumo de energia da União Europeia vem do gás natural. Essa dependência do gás natural significa uma dependência da Rússia já que a União Europeia importa a maior parte do seu gás (41%) daquele país.
Como o gás russo é mais barato, a União Europeia, em vez de diversificar fornecedores, investiu na diversificação de rotas de importação do gás russo. Neste ponto, nem Moscou, nem os EUA e seus aliados têm interesse econômico, político ou militar em transformar o petróleo, gás e outros recursos naturais em armas geopolíticas.
A União Europeia e o Reino Unido visaram, até agora, cinco bancos russos de médio porte, mas eles deixaram intocados os três credores gigantes estatais que são fundamentais para o comércio de commodities: VTB Bank PJSC, Sberbank da Rússia PJSC e Gazprombank JS. A própria Alemanha anunciou que irá suspender o processo administrativo de aprovação do gasoduto NordStream 2, mas deixou intocável a operação do NordStream 1.
Isso é um indício da dura constatação de que a Rússia ocupa uma importante posição no mercado financeiro global e que, se o ocidente realmente tentar limpar os seus sistemas financeiros do capital russo, então seus mercados financeiros, bolsas de valores e mercados imobiliários irão desmoronar, gerando um cenário de crise jamais vivenciado.
Outro dado interessante foi a constatação de um estudo realizado pela Universidade da Califórnia, levando em consideração zonas de conflitos em empreendimentos minerários, que busca responder como o conflito afeta as decisões de investimento das empresas. O resultado varia de acordo com a localização.
As empresas que operam em locais de conflito reduzem drasticamente os investimentos. Por outro lado, as empresas que operam em território em torno do conflito, mas afastadas da luta, na verdade aumentam o investimento. As empresas longe da violência veem um pequeno efeito negativo.
A verdade é que, até mesmo para os investimentos ESG existe um breakpoint em que valores aparentemente conflituosos deverão ser levados em consideração, para a própria subsistência dessa economia regenerativa e distributiva que se busca alcançar.
Uma economia globalizada no atual contexto geopolítico traz prosperidade, mas com um preço que implicitamente aceitamos pagar ao fazer negócios com estruturas financeiras não tão adeptas aos valores do ESG. Como bem concluiu ex-diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial, os mercados continuarão a ser influenciados mais diretamente por políticas macroeconômicas do que por eventuais choques geopolíticos. Mas esses choques podem gerar transformações sistêmicas, como observado nos casos das guerras mundiais, com implicações significativas para o futuro da economia mundial.
*Luciana Lanna é advogada, especialista em Direito Ambiental e coordenadora da área Ambiental e Sustentabilidade do Lemos Advocacia para Negócios.