É preciso observar os sintomas da doença de Parkinson/Foto Tookapic-Pixabay
Por Luiza Gonzaga Piovesana (*)
A doença de Parkinson é caracterizada por quatro sintomas motores: lentidão, tremor, alterações posturais e rigidez. Especialistas consideram que estamos vivendo uma epidemia da condição, pois, em 1990, afetava aproximadamente três milhões de pessoas no mundo, número que saltou para mais de seis milhões em 2015 e deve passar dos 12 milhões em 2040. No Brasil, aproximadamente 1% das pessoas acima de 65 anos têm a patologia. Talvez sejam ainda mais, considerando a subnotificação e casos de parkinsonismos atípicos (outras doenças muito semelhantes, porém de maior gravidade e com mais sintomas além dos clássicos). O envelhecimento da população, somado a fatores ambientais, como exposição a pesticidas e solventes industriais, além da susceptibilidade genética, explicam a aceleração na incidência.
Pela prevalência, impacto na qualidade de vida e declínio funcional dos pacientes, existem muitos estudos em andamento. Primeiro, os pesquisadores precisam entender como começa, progride, o que pode ser medido em exames de imagem, líquor, sangue e escalas (os biomarcadores) para acompanhar a doença e a resposta aos tratamentos experimentais. Em seguida, como melhorar os sintomas? Por último, e mais importante, como desacelerar e, quem sabe, um dia, curá-la?
Um problema comum nas doenças neurológicas é que no início dos sintomas, a degeneração cerebral já existe há muito tempo, o que torna mais difícil um tratamento curativo. Por isso, manifestações precoces e famílias geneticamente associadas ao Parkinson têm sido muito pesquisadas, pois são ótimas candidatas a estudos com tratamentos modificadores da evolução da doença.
Alguns desses sintomas precoces que devem gerar atenção são: perda de olfato e paladar (que não tenha outra explicação como trauma ou Covid-19, claro), constipação, depressão, alterações do sono REM (quando a pessoa tem um sono agitado em que fala e faz movimentos enquanto sonha). São os chamados sintomas pré-motores e podem aparecer muitos anos antes das manifestações clássicas. Diagnosticar essa pessoa com Parkinson prodrômico tem sido um ponto chave nos estudos.
Quanto ao tratamento existente atualmente, é importante ressaltar que a medicação com maior eficácia e menos efeitos colaterais é a levodopa, que o nosso corpo converte em dopamina, justamente a substância em defasagem no cérebro de pessoa com Parkinson, pois os neurônios que produzem essa molécula estão se degenerando. Porém, existem outras intervenções além do uso de levodopa: remédios que melhoram outros sintomas e potencializam a levodopa; cirurgias cerebrais que ajudam a equilibrar a resposta da medicação e seus efeitos adversos; terapias de reabilitação, essenciais, pois a doença é complexa e o remédio não dá conta de melhorar tudo, sendo importante que a pessoa continue treinando o físico.
A atividade física, aliás, que promova aumento de massa muscular, preserve a amplitude das articulações e a capacidade cardiopulmonar, já tem evidência científica de conseguir retardar a progressão da doença, tendo um efeito protetor no cérebro.
Pacientes com casos avançados, inclusive, são muito desafiadores, pois carregam efeitos colaterais das medicações, além dos próprios sintomas da enfermidade. Nesses casos, a cirurgia de estimulação cerebral profunda pode ajudar, assim como cirurgias ablativas mais conservadoras, para pacientes mais frágeis, e outras terapias de infusão que infelizmente ainda não estão disponíveis no Brasil. Nessas, é possível usar levodopa em gel diretamente no intestino ou medicação subcutânea para estimular os receptores da dopamina.
Muitos perguntam sobre o canabidiol. Tal medicação pode atuar na melhora de sintomas, não na cura, mas não existem estudos duplo-cegos randomizados robustos, pois a doença tem muitas faces, e o canabidiol pode ser produzido de diversas formas com combinações diferentes de outros canabinoides. Algumas pessoas melhoram, sim, mas isso deve ser avaliado caso a caso, pois não podemos extrapolar para todos os afetados pelo Parkinson.
Para entender como a medicina está caminhando quando se fala em tratamento das doenças neurodegenerativas, é preciso entender um pouco melhor o que acontece no tecido cerebral. Cada uma delas tem uma forma específica de alterar o cérebro, seja em relação às regiões mais afetadas, mas também em relação às proteínas que se alteram dentro e em volta dos neurônios. Lembram que eu disse que é preciso saber como a doença começa e como ela progride para realmente conseguir curar? No caso do Parkinson, a proteína que parece ter um papel chave é a alfa-sinucleína. Ela existe naturalmente no nosso cérebro, em especial nas sinapses, que são os pontos de comunicação de um neurônio com o outro. Por uma cascata de eventos, ela começa a não ser mais bem degradada e se acumula nos neurônios, tornando-os mais frágeis a radicais livres e gerando inflamação, o que culmina na morte desse neurônio.
Muitos estudos têm testado anticorpos que poderiam ajudar a degradar essa proteína acumulada, ajudando o neurônio a ficar mais saudável. Aqui, cada um faz a sua receita, como entregar o anticorpo, como gerá-lo, em que parte da proteína ele atua etc. Estudos de segurança e tolerância devem ser feitos antes de grandes estudos clínicos. Alguns já conseguiram reduzir a carga de alfa-sinucleína, mas ainda não conseguiram provar a melhora no paciente, pois a doença é complexa e tais hipóteses precisam ser comprovadas.
Outra linha de tratamento modificador busca corrigir defeitos genéticos, tanto nos casos em que o Parkinson é causado por uma mutação específica quanto para reduzir a produção da alfa-sinucleína. Esses estudos, porém, não estão tão avançados.
Em resumo, a doença de Parkinson tem se tornado cada vez mais comum, e conhecer as manifestações clássicas e os sintomas precoces é importante para um diagnóstico preciso, que possibilitará estudos mais direcionados e tratamentos mais eficazes. Há muito o que se fazer para melhorar os sintomas, mesmo não existindo tratamentos curativos atualmente (uma hora eles chegam!). Uma equipe multidisciplinar, que coloca o paciente no centro do cuidado, como protagonista, é o melhor caminho para ter boas respostas.
* Luiza Gonzaga Piovesana (CRM 129543), (RQE 50300), neurologista do Vera Cruz Hospital