Há filmes que valem por uma cena. Esse é o caso de ‘Uma questão privada’, dos irmãos Paolo e Vttorio Taviani. A adaptação do livro ‘Una questione privata’, de Beppe Fenoglio, mostra, à certa altura, um soldado fascista, prisioneiro pelos partizans, brigadas contrárias a Mussolini, prestes a ser executado. Ele, sonhando que é baterista de uma banda de jazz, toca seu instrumento imaginário sob o olhar perplexo da tropa.
O inusitado e hilário da cena, como bem fazia Shakespeare, em suas melhores tragédias, como “Rei Lear”, apresenta um respiro à dramaticidade da história. Os eventos se passam durante a II Guerra Mundial no Piemonte italiano, onde dois amigos brigadistas são apaixonados pela mesma mulher. Um deles, amante da língua inglesa, nunca revelou seu amor e desconfia que o seu companheiro de batalha realizara o seu desejo reprimido.
A bela e frívola Fulvia, interpretada por Valentina Bèlle, é, portanto, uma conveniente desculpa para um dos rapazes percorrer pequenas aldeias da região em busca do amigo e, assim, esclarecer, a dúvida. Assim como o baterista nonsense, a neblina é outra metáfora de um eterno jogo de esconder/revelar, pois ela ajuda brigadistas a não serem mortos pelos nazistas, além de ocultar verdades e mentiras dependendo do ponto de vista.
O filme navega pelos campos da incerteza e da opacidade. Existem os que desejam morrer e não conseguem; e os que querem fugir, mas são mortos em combates sem sentido algum. A busca pelo amigo é uma jornada inócua, assim como a guerra como um todo, em que mulheres e crianças camponesas são assassinadas, e mães e pais veem seus filhos perderem a vida.
Os irmãos Taviani exercem seu talento ao levantar essas questões sem grandiloquência, mas com intensidade dramática e visual, numa atmosfera lírica que o tema aparentemente pareceria não permitir. Assim, o baterista imaginário continua seu show sem sentido, tendo a vida prolongada sabe-se lá por quanto tempo.
Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.