Vacinação contra influenza/Divulgação
Busca pelo combate ao SARS-CoV-2 colocou imunizações no centro das atenções, mas mesmo antes dos holofotes tecnologias avançam há décadas para erradicar doenças
Varíola, poliomielite, rubéola e difteria. Essas são algumas das doenças que foram erradicadas no Brasil graças às vacinas. O Plano Nacional de Imunização (PNI), regulamentado na década de 70, é considerado uma das mais relevantes intervenções em saúde pública do país, organizando, implementando e controlando a política de vacinação. Tudo começou nos idos do século XVIII, quando o médico sanitarista inglês Edward Jenner descobriu a primeira vacina do mundo, contra a varíola, em condições muito diferentes das de hoje, tendo em vista que, para a descoberta das primeiras vacinas contra o SARS-CoV-2, bem como outras imunizações mais recentes, a medicina registrou avanços que impactaram diretamente os processos e a criação das mesmas.
Tradicionalmente, as vacinas levam aproximadamente 15 anos para serem desenvolvidas, sendo a primeira etapa os ensaios pré-clínicos, onde são estudadas a eficácia e a toxicidade em modelos in vitro – células – e in vivo – camundongo ou rato -, com posterior escalonamento desse processo, o que leva alguns anos, conforme explica a Dra. Luciana Maria de Hollanda, professora Titular I da Área de Saúde do Centro Universitário UniMetrocamp. “Neste período, uma parte do novo medicamento experimental é arquivado e a vacina candidata então entra em testes de fase I, II e III, com os primeiros estudos realizados em humanos”, aponta a docente. “A fase I leva de 1 a 2 anos, e é quando se demonstra a segurança da vacina. Já na fase II, por cerca de dois anos, se estabelece sua imunogenicidade, ou seja, sua capacidade de provocar uma resposta imune, gerando anticorpos”, indica. “Finalmente, na fase III, com cerca de dois a três anos, é testada a eficácia da vacina, passando posteriormente ao registro sanitário, que possibilita a produção em larga escala e distribuição para a população”, completa.
A professora do UniMetrocamp acrescenta que, com a evolução tecnológica, foi possível acelerar essa produção, ainda que as etapas sejam as mesmas, levando de 10 meses a um ano e meio para se chegar ao imunizante final. “Os pesquisadores começaram a utilizar algumas ferramentas de bioinformática e inteligência artificial, que identificam quais os melhores determinantes antigênicos de um dado patógeno, ou, explicando de maneira menos técnica, a menor porção da substância pesquisada capaz de gerar a resposta imune”, esclarece a Dra. Luciana. “Com estes recursos, em uma situação de pandemia como vivemos agora, os estudos pré-clínicos duram meses, os testes de fase I, II e II ocorrem concomitantemente à produção em larga escala e, na sequência, o fabricante pede o registro de emergência nas agências regulatórias, para então a vacina começar a ser aplicada na população”, ressalta. “Muitas destas vacinas são desenvolvidas de forma colaborativa entre os países, faculdades e indústrias farmacêuticas, e entre indústrias farmacêuticas e os órgãos governamentais, facilitando a obtenção de respostas nos estudos clínicos e pré-clínicos e, finalmente, sua aprovação pelos órgãos competentes”, pontua.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre as quase 200 propostas de vacinas em pesquisa contra o SARS-CoV-2, 44 chegaram à fase de testes em humanos e, entre essas, um grupo de 10 projetos atingiu a fase III de estudos, em que dezenas de milhares de voluntários são recrutados para comprovar se a vacina é mesmo capaz de proteger sem causar danos à saúde. Mas a professora do UniMetrocamp reforça que, embora o desenvolvimento de vacinas esteja avançando a uma velocidade sem precedentes, ainda há muitas questões em aberto. “Ainda são processos em andamento, que precisam caminhar junto com o atendimento urgente das necessidades impostas por uma pandemia, onde todo e qualquer novo recurso eficaz e seguro é bem-vindo”, analisa. “É provável, por exemplo, que duas doses de uma vacina sejam necessárias, com doses de reforço em momentos posteriores e, nesse caso, serão necessários pelo menos 16 bilhões de doses para atender a demanda global, então ainda são desafios que todos os pesquisadores e parceiros envolvidos acompanham e enfrentam”, conclui.
Conheça os diferentes tipos de vacinas
Preparação biológica que fornece imunidade adquirida ativa para uma determinada doença, as vacinas previnem os efeitos de uma futura infecção ou mesmo podem atuar como terapia, como no caso do câncer. Mas há diferentes tipos de imunizantes, pesquisados com o intuito de atender às necessidades específicas da população. São eles:
Vacinas vivas atenuadas – são similares à infecção natural e criam uma resposta imunológica forte e duradoura. A maioria é eficaz com uma ou duas doses e protege contra o patógeno (agente causador da doença) por longo tempo ou por toda a vida. Como possuem uma pequena quantidade do vírus enfraquecido, algumas pessoas com problemas no sistema imune, transplantadas ou com doenças crônicas devem passar por avaliação médica prévia. Exemplos: vacinas contra sarampo, caxumba e rubéola (vacina tríplice viral), rotavírus, varíola, varicela e febre amarela.
Vacinas inativadas – utilizam o organismo que causa a doença morto ou inativado, e possuem uma eficácia reduzida se comparadas às vacinas vivas atenuadas. São necessárias várias doses ao longo do tempo para promover a imunidade efetiva e contínua. Exemplos: vacinas contra hepatite A, gripe, pólio, raiva e SARS-CoV-2.
Vacinas de subunidade, recombinante, polissacarídeo e conjugado – estas utilizam partes específicas do patógeno para direcionar o sistema imune a reconhecer especificamente estas partes, desencadeando uma forte resposta imunológica. Podem ser utilizadas em quase todas as pessoas, inclusive aquelas com o sistema imunológico enfraquecido e doenças crônicas. Em alguns casos, são necessárias doses de reforço para obter a proteção contínua. Exemplos: vacinas contra doenças por Haemophilus influenza (tipo B), Hepatite B, HPV, doença pneumocócica, doença meningocócica.
Vacinas toxóides – utilizam a toxina (produto nocivo) produzida pelo patógeno, criando imunidade contra partes desse patógeno e direcionando o sistema imune a responder contra a toxina e não contra o causador da doença. Precisam de reforço para obter proteção contínua. Exemplos: vacinas contra difteria e tétano.
Vacina de DNA (vacinas de terceira geração) – são feitas de DNA recombinante que carregam uma parte do material genético do patógeno. Ao ser inserido na célula hospedeira, produzirá o antígeno a ser reconhecido pelo sistema imune, desencadeando uma resposta imunológica ativa. Estas vacinas ainda são investigadas para várias aplicações, incluindo terapia para o câncer, alergias, doenças autoimunes e doenças infecciosas. As principais vantagens são que não apresentam risco de infecção, possuem resposta imune, facilidade de desenvolvimento e de produção, são estáveis para armazenamento e transporte. Atualmente, não existem vacinas de DNA aprovadas para uso em humanos, mas algumas já foram aprovadas pelo FDA e pelo USDA para uso veterinário, incluindo uma vacina contra o vírus do Nilo Ocidental em cavalos e melanoma canino.
Vacinas de RNA mensageiro (RNAm) – considerada uma das tecnologias mais promissoras e pesquisadas já há décadas, este tipo de vacina é elaborado com partes da molécula do DNA genético do patógeno que, ao serem inseridas no corpo humano, fornecem ao organismo as instruções para produzir os anticorpos necessários para combater a doença, sem a inoculação direta do vírus vivo ou inativado. Ganhou destaque devido à sua potencial segurança, uma vez que o RNAm não se integra ao material genético do hospedeiro, não causando mutação na célula. Possui potencial para fabricação rápida, barata e escalonável, mas apresenta ainda o desafio da armazenagem e transporte, pois precisam ser conservadas entre -20 e -80 Cº. Exemplos: vacina contra a SARS-CoV-2.