Liberado recentemente pela Aniva, produto está indicado para pacientes com sintomas refratários mesmo após o tratamento com todas as outras opções terapêuticas disponíveis
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o primeiro registro e autorização de comercialização de um produto à base de Cannabis em abril/2020. O produto está indicado para pacientes com sintomas refratários mesmo após o tratamento com todas as outras opções terapêuticas disponíveis. Quando indicado, o medicamento poderá ser comprado em farmácias ou drogarias, com a prescrição médica.
Segundo o oncologista clínico David Pinheiro Cunha, sócio do Grupo SOnHe – Sasse Oncologia e Hematologia, são evidentes os avanços no entendimento do potencial benefício do uso medicinal da Cannabis em diversas doenças, porém a indicação em pacientes com câncer necessita de estudos mais robustos. “Existe uma grande expectativa de novos medicamentos para o conforto dos pacientes oncológicos. Mas, por enquanto, não podemos dizer que o uso dos derivados da Cannabis seja uma realidade no Brasil. Ainda se faz necessária uma clara comprovação de benefício e segurança”, afirma.
Dentre as mais de 500 substâncias bioativas encontradas na Cannabis, as duas de maior destaque são otetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). O THC apresenta afinidade aos receptores do canabinoide no cérebro e é o responsável pelos seus efeitos psicoativos. “Alguns estudos sugerem sua ação no controle de dor, redução de náuseas e relaxamento muscular, porém com efeitos colaterais como psicose, sonolência e intoxicação. Já o CBD, devido à menor afinidade a esses receptores, apresenta baixo risco de causar euforia ou intoxicação e está relacionado ao controle de dor, náuseas, vômitos, ansiedade e crises convulsivas. Apesar das potenciais ações terapêuticas, ainda são escassas as evidências científicas, confirmando o real benefício”, explica o oncologista.
Mas, então, em relação aos pacientes com câncer, existem benefícios comprovados? “Sabe-se que no câncer avançado é frequente a queixa de náuseas, vômitos, perda de apetite, ansiedade e dor refratária. Logo, ter medicamentos que possam aliviar esses sintomas e propiciar melhor qualidade de vida é de extrema importância. Neste contexto,alguns estudos com medicamentos à base de Cannabis vêm sendo realizados, porém com resultados ainda conflitantes. Uma revisão sistemática e metanálise publicada por um grupo alemão em 2018, não mostrou benefício de medicamentos à base Cannabis para aumentar o apetite, controle de náuseas/vômitos, redução de dor ou insônia em pacientes em cuidados paliativos”, afirma o médico.
Outro estudo citado pelo oncologista foi publicado na revista JAMA, em 2015, e sugeriu benefício em redução de dor crônica com uso de canabioides, porém com baixo nível de evidência para recomendação do tratamento de náuseas/vômitos secundários à quimioterapia ou melhora de distúrbios do sono, além de apresentar maiores efeitos colaterais. “O fato é que, do ponto de vista da saúde, é diferente debater o uso medicinal da maconha em relação ao uso recreativo. Ao menos no primeiro caso, a ciência está em busca amostras de seu potencial terapêutico. Entretanto, a maconha não deixa de ser uma droga ilegal e, mesmo sendo liberada para pacientes com câncer, ainda precisa de monitoramento médico e seu uso deve ser prescrito e controlado”, finaliza o oncologista.
Fonte: David Pinheiro Cunha, graduado em medicina pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas). Fez residência em Clínica Médica pela PUC Campinas. Possui residência em Oncologia Clínica pela Unicamp, e título de especialista em Oncologia Clínica pela Associação Médica Brasileira – AMB/SBOC. É membro titular da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO). David é sócio do Grupo SOnHe – Sasse Oncologia e Hematologia, e atua na oncologia do Instituto do Radium, do Hospital Santa Tereza e do Hospital Madre Theodora.