*Por Ismael Rocha, diretor acadêmico do Iteduc e Doutor em Educação
Imagine que você está vendo um filme e pausa em determinando momento. Quando retorna, é preciso resgatar uma série de pontos para poder construir novamente a lógica apresentada. Por vezes, seria até mais fácil começar novamente do início, para o melhor entendimento da narrativa. Fazendo uma analogia, com a educação ocorre da mesma forma.
Existe uma construção mental para todos os processos de ensino-aprendizagem.
Pense, agora, em uma criança ou adolescente que para de estudar durante um ano. Porém, diferente de um filme, nesse caso, a narrativa não é linear, mas multifatorial. Ou seja, agrega diferentes conhecimentos. Pois bem, é preciso concordar que este aluno ou aluna vai ter enormes dificuldades quando retornar à escola. Será difícil resgatar o mesmo empenho que tinha anteriormente.
Isso porque o conhecimento não é cumulativo. Não acontece como se estivéssemos empilhando caixas de diferentes tamanhos e cores. E com o agravante de que se trata de mais do que um ano perdido, e não de um único ano perdido.
Quais seriam os impactos desse processo? São incalculáveis e destrutivos. Imaginar que o que estamos vivendo não terá repercussões na sociedade e no País é desmerecer a História. Para começar, temos de lidar com o abandono escolar. Vários estudos mostram que o percentual de estudantes que retorna aos estudos depois de parar durante um ano é pequeno.
Há, ainda, o impacto socioemocional, já que o estudante tem dificuldade em processar todas as variáveis envolvidas para retornar à rotina anterior.
Quando lançamos um olhar coletivo, é patente que a realidade da pandemia só aumenta as distâncias sociais. E o aumento da desigualdade traz consigo sequelas pesadas, que vão produzir impactos em toda sociedade.
E essa realidade fica ainda mais dura e cruel quando pensamos nas crianças cuja única alimentação adequada e nutritiva era feita na escola.
É importante reforçar que nossos meninos e meninas não estiveram de férias nesse tempo longe da escola. É necessário ajustarmos nossas lentes para enxergarmos a situação real desses jovens.
Antes de querer mitigar o déficit de disciplinas como História, Geografia, Língua Portuguesa…é preciso acolher e entender esse aluno no seu todo. É preciso compreender suas perdas, medos, inseguranças e as dificuldades que encontram nos seus relacionamentos nesse período de volta às aulas. Imaginar que as crianças e jovens, atores deste “teatro macabro”, não enxergam tudo isso soa até mesmo pueril.
É fato: se não olharmos primeiro o ser humano, os danos serão ainda maiores.
Para além das questões sociais, as desigualdades são críticas para o Brasil. Isso porque vivemos na era da tecnologia e colocar nossos estudantes ainda mais distantes da realidade da transformação digital significa torná-los párias da sociedade.
Há muito a ser feito. É possível tornar este cenário favorável? Certamente! Antes de qualquer coisa, é preciso que a formação escolar chegue a todos os estudantes do ensino básico. Isso não aconteceu em 2020 e pode não acontecer novamente em 2021.
Afinal, somos carentes de um projeto educacional de Estado. A falta de um projeto estatal, onde todos olham e trabalham com o mesmo objetivo, é cruel. Ficamos procurando culpados: é a internet que não está disponível a todos? São os professores que não estão preparados para ensinar virtualmente? São os alunos que não querem estudar e pensam que estão de férias?
Nada disso. O grande inimigo da educação tem sido a inexistência de planejamento!
Muita gente coloca todas as expectativas na internet. Pois, se não existe internet, cruzamos os braços. Mas quem faz isso se esquece de que o ensino pode acontecer por meio de outras plataformas, como as rádios e as TVs.
É preciso lembrar que somos um dos países com o maior número de emissoras estatais. Embora não saibamos ao certo a quem servem.
Essas rádios são captadas por meio de antenas parabólicas em todo o território nacional. Rádios estatais também não faltam. É hora do Brasil mudar e olhar para os jovens e crianças que precisam de informação, atenção e conhecimento.
Vários países do mundo que estão passando pelo mesmo problema que o nosso – a falta de tecnologia – fizeram uso de rádios comunitárias e TVs estatais para que os alunos não ficassem “fora da escola”. Já no Brasil, muitos ficaram choramingando pelos cantos… o que, certamente, é falta de vontade política.
Esse passivo será conhecido nos próximos anos. Ainda não temos um histórico da situação para prever ao certo o que acontecerá. Mas esta geração ficará marcada como aquela que ficou afastada do processo de aprendizagem mínimo.
Existe um pensamento falacioso quando se diz que iremos fazer “dois anos em um”. Essa crença mostra total desconhecimento dos processos neurais que acontecem na aprendizagem, em crianças e jovens. Supor que essa recuperação dos estudos e a volta do status quo, é acreditar que estamos tratando com máquinas, que podem ser reprogramadas segundo a vontade de um gestor, e não com seres humanos.
Infelizmente, sem nos debruçarmos sobre todos os impactos da pandemia para as crianças e jovens, e sem contarmos com investimentos para a implementação de uma solução efetiva, o cenário da educação básica, no futuro, ficará ainda mais comprometido.
Sobre a fonte: Ismael Rocha é diretor acadêmico do Iteduc (Institute of Technology and Education), organização pioneira na capacitação de professores de educação básica para o ensino on-line e híbrido. É Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), especializado em avaliações escolares. É mestre em Sociologia, com formação complementar nos EUA, Canadá, Inglaterra, China, Malásia, Chile e México. Conselheiro e Coordenador do Comitê de Sustentabilidade da World Vision Brazil, foi também diretor ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) por 18 anos.