Por Dra. Vivian Antunes
Entre outras tantas coisas, o câncer é um desafio para a humanidade. É temido por quase todos nós (senão todos), é vigorosamente caçado por cientistas ao longo dos séculos, é doloroso para os milhões que dele sofrem e é passível de prevenção em um terço das vezes.
A doença é mesmo um desafio vivo. A história dessa moléstia se entrelaça com a própria história da humanidade, com seu primeiro registro há 4 milhões de anos. Por mais que hoje se saiba mais sobre o câncer do que nunca, e que marcantes avanços sejam reconhecidos, ainda é responsável por 9,6 milhões de mortes todos os anos.
Dados recentes publicados pela American Cancer Society (ACS) documentam uma queda de 2,2% na mortalidade por câncer entre 2016 e 2017. Essa é a maior queda registrada até hoje, e pode ser parcialmente explicada pelos avanços nos cuidados do câncer de pulmão e melanoma nesse período. A mortalidade por câncer subiu até 1991, e desde então teve queda de 29%.
O mundo da ciência está otimista por presenciar o que antes parecia inatingível, como o advento da imunoterapia (tratamento que faz com que o sistema imunológico atue contra o câncer), e que traz maior chance de cura mesmo para pacientes com metástases.
As coisas também têm mudado para aqueles que vivem com a doença, não só pelos melhores desfechos e melhor controle de sintomas, mas sobretudo por assumirem cada vez mais o protagonismo do seu tratamento.
Não existe mais espaço para a medicina que olha exclusivamente para a doença. Entra em ação o trabalho de dar acesso a informações qualificadas para que os pacientes compartilhem decisões que respeitem seus valores. É viver com coerência, na saúde e na doença. É tratar com respeito a doença e o doente.
Esse processo, às vezes citado como “empoderamento” do paciente, vai além da qualificação médica: requer ação dos meios de informação por diferentes mídias, o ativismo e empenho de organizações relacionadas ao tratamento e resultam em uma feliz mudança de paradigmas no tratamento de seres humanos.
A contar para o lado triste da história estão as vidas que poderiam ser salvas com a adequada implementação de estratégias de prevenção e detecção precoce. Por exemplo, cerca de um terço das doenças neoplásicas podem ser prevenidas.
O tabaco ainda é responsável por 22% das mortes por câncer, e evitar a obesidade, manter atividade física e dieta adequadas reduzem consideravelmente o risco de desenvolver diversos tipos de tumores, como o de mama, intestino e próstata.
Ainda no caminho do que podemos evitar está o câncer de colo uterino. O Brasil tem um lamentável e elevadíssimo número de mulheres que sofrem e morrem por essa doença. É importante mencionar o papel da vacinação contra o vírus HPV como um marco na luta contra mortes pelo câncer. A melhor conscientização e educação da população, bem como estratégias de saúde pública, podem reduzir mortes por câncer. Não é otimismo excessivo. É ciência e ação!
Em um país de grandes disparidades, temos também o que chamo de desigualdade do câncer. O acesso aos recursos que trazem maior chance de cura e mais do que dobram o tempo de vida de pacientes não é homogêneo. Felizmente os tratamentos são a cada dia melhores, mas também, proporcionalmente mais caros. Sem falar no desequilíbrio no número de mortes por câncer no mundo, sendo mais frequente nos países em desenvolvimento.
O Dia Mundial do Câncer fortalece o movimento de todos que enxergam o câncer como um desafio a ser combatido para que, um dia, seja uma doença menos temida, menos sofrida, mais compreendida pela ciência e quem sabe, previnida em uma boa parte das vezes, senão em todas elas.
Fonte: Vivian Castro Antunes de Vasconcelos
Médica oncologista clinica do Hospital Vera Cruz, grupo SOnHe e CAISM-UNICAMP. É mestre em ciências na área de Oncologia pela Unicamp.