Jornal de Campinas

ALÉM DAS FAKE NEWS, A ÉTICA E O RESPEITO HUMANO

Luiz Roberto Saviani Rey

(jornalista – MTB 13.254)

Mais do que nunca – em meio à torrente de informações da mídia, expostas em redes sociais no atual momento histórico – se faz necessário o cuidado extremo não apenas com a apuração precisa de fatos, episódios, acontecimentos, com a exclusão do que é falso, inverídico, como atuar, coletar, captar aquilo que é coerente, plausível, normal e tolerável, aquilo que se possa dizer, transmitir, editar e postar sem produzir choques e assaques aos aspectos éticos, sobretudo aos preceitos humanos. Acompanho diuturnamente o noticiário da TV, e me deparo agora há pouco com a seguinte situação: sem citar nomes, um repórter jovem, extremamente competente – que percebo estar esgotado, mas firme e confiante em seu trabalho há dias -, entra pelo telão, direto de Brumadinho, em um estúdio montado, com um âncora, convidados e aquele jornalista sabichão, desses que sabem tudo e estão no Olimpo das Comunicações (muitas vezes sem nunca terem saído às ruas para enfrentar as agruras da reportagem, e mais, da cobertura de “guerra”). O garoto dá seu recado e fala das dificuldades de localização de corpos soterrados pela avalanche de lama da Vale, dos recursos que estão ingressando no processo de resgate, como retroescavadeiras – uma vez que secou o material vazado -, do encontro de novos corpos. Aí, senhores, vem o despreparo associado à arrogância que tem matado o jornalismo nas últimas décadas: refrigerado e comodamente sentado, o editor (penso que seja editor, pois nunca o vi antes no canal, e nem consegui anotar seu nome). Querendo dar uma de autoridade, faz reparo ao que foi apresentado pelo repórter e afirma no ar, categoricamente, que “faltou dizer que estão sendo encontrados fragmentos de corpos”! (a exclamação é minha). Não sei vocês, mas como jornalista – repórter e editor por mais de 25 anos -, esse tipo de intervenção sempre me incomodou. Caros, parem e reflitam: ocorre um incidente com algum parente seu, um filho, um amigo próximo, e os jornais trazem em letras garrafais a seguinte manchete: “Encontrados pedaços do corpo de fulano”! (a exclamação é minha, novamente). É de uma ausência de sensibilidade e de um estoicismo agressor incomparáveis!!! Lembro-me do início dos anos 1990, quando morreu em Ouro Fino a famosa modelo brasileira Adriana de Oliveira, aos 20 anos, vítima de um composto de drogas e álcool. O caso desdobrou-se em mais de um mês de investigações. Quando da divulgação do laudo do IML de Belo Horizonte, a Folha de S. Paulo saiu com um texto confuso, impreciso, que a levou a perder na concorrência com o estadão em vendas em banca. Além do repórter ter se perdido entre parágrafos que nada esclareciam, reservando um quinto parágrafo para tentar insinuar que fora vítima de overdose, o jornal trouxe publicado um parágrafo inteiro com as seguintes informações: “Os médicos legistas do Instituto Médico Legal de Belo Horizonte analisaram 100 gramas de estômago da modelo, 150 gramas de rim, 100 gramas do pâncreas… “e vai adiante! Parados a!!! Imaginem-se pais da pessoa, namorado, parente, amigo. Parece que estamos em um açougue e pedimos lá cem gramas desta ou daquela carne!! Valha-nos Deus! É a ética e o respeito humano sendo violentados cem vezes na mesma trepada! No episódio de hoje, com toda a segurança e humildade, o repórter pede a palavra e diz – como a corrigir o “sapiente” editor: “Pois é, é cruel dar esse tipo de informação, ainda mais em presença dos familiares”. Bingo! O repórter jovenzinho sabe e tem consciência daquilo que o “experimentado não tem! Episódios assim levam a reflexões e nos colocam – nós, jornalistas e os cidadãos, os leitores, internautas, espectadores, ouvintes – em uma linha da indagação: vale a pena informar pormenores exasperantes e gritantemente chocantes? Essa é a informação que esperamos? Isso lá é cumprir com a precisão e a objetividade jornalísticas? Prefiro um jornalista meia-boca, que saiba informar o básico, do que quem não associa às suas ferramentas de trabalho os preceitos éticos. Leis, normas e valores! Preceitos éticos universais. Lembrar que emitimos juízos de valor, mesmo quando informamos, juízos de apreciação que se referem à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, e que estão na mira dos códigos e da legislação. Não são apenas as fake news que nos agridem, mas certos comportamentos inadequados e inúteis como material de composição informativa!

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