Jornal de Campinas

Antigos Natais

A primeira vez que se encontraram foi no Natal de 2021: ele completando dois anos e meio e ela, somente com alguns meses, ainda no colo da mãe. Ao pé de um grande pinheiro envolto em bolas e enfeites, trocaram olhares, certamente sem compreenderem nada do que estava acontecendo.

No Natal de 2050, trinta anos depois, estavam casados: ela médica, ele escritor, dois filhos e algumas histórias de vida para contar. Nesse dia 25, trocaram juras de amor pelos seus whatsapps, pois a mulher fazia especialização em células tronco num centro de criogenia na Inglaterra e o marido terminava seu livro de memórias aqui mesmo em Campinas. Mas, de um lado e do outro do Atlântico, compartilharam, página por página, os muitos álbuns de fotos montados na infância pela avó – dele -, agora substituídos pelos virtuais, mais modernos e mais práticos.

30 anos! Lembraram antigos Natais.

Em 2036, o Natal foi comemorado a bordo do Trem Bala, ainda novidade, numa viagem inesquecível da família e dos amigos mais próximos para o Rio. A cidade voltara a ser maravilhosa, livre das mazelas do tráfico das armas e das drogas e, suas praias, nunca estiveram tão lindas. É possível, que tenham começado aí, entre os dois, os primeiros sorrisos cúmplices e secretos. Na viagem de volta, já davam as mãos, desejando que os 104 minutos do trajeto do TAV, a 320 quilômetros por horas, até Campinas voltassem a durar as cinco horas ou mais, como nos tempos que iam pela Dom Pedro e pela Dutra. Saíram juntos do terminal, dentro do complexo empresarial na região da Estação Cultura, idealizado pelo urbanista Jaime Lerner, já então tornado uma realidade. Aliás, na área da cultura, novidades: os grandes nomes de Campinas, Carlos Gomes, Campos Salles e Hércules Florence foram, finalmente, reconhecidos pela sociedade e, agora, podiam ser homenageados a altura num espaço de arquitetura funcional e arrojada no bairro Taquaral.   

O Natal de 2042 foi comemorado somente em família. A Ponte Preta, depois de passar para a Série A em renhidas disputas anteriores, fizera-se, nesse ano, mais uma vez líder no Campeonato Brasileiro de Futebol, em campanha memorável. Era o mesmo título que o Guarani havia conquistado em 1978, vitória, aliás, repetida anos depois.

O casamento aconteceu no Natal de 2045. A cerimônia foi em Dubai, acompanhada on line pelos parentes aqui no Brasil, à frente de telões holográficos, com as imagens “saindo da tela”, como que materializadas, tudo estrategicamente instalado num resort famoso na entrada da cidade, contratado pelos noivos. Embora a milhares de quilômetros, muito longe da festa, eles puderam sentir a presença de todos, dos pais, avós, tios, sobrinhos – alguns já envergados no peso de suas idades avançadas -, mas embevecidos com a história daquele romance de cinema, iniciado, quem sabe, nas primeiras trocas de olhares no longínquo 2036.

Agora, em 2050, o Natal estava sendo diferente, sem nenhuma programação agendada: os filhos distantes, a menina festejando em sua escola fora do País, o rapaz se preparando assiduamente para ingressar na Marinha. Alguns dos entes queridos dos Natais passados “já viajando para muito longe, sem previsão de volta”.

Subitamente, emocionados à vista das fotos brilhantes num monitor LucidTouch, de um e de outro lado do mundo, em lágrimas, desligaram seus computadores e rezaram. Era o melhor que podiam fazer naquele momento.

Gustavo Mazzola

mazzola@sigmanet.com.br

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