*Adalberto Santos
Antes de tudo, importante que saibam que sou pai de uma preta linda de 33 anos e senti na minha pele branca o gosto amargo do racismo inúmeras vezes. Infelizmente ele existe e é inconcebível tal sentimento. Lembro-me de uma vez quando minha filha tinha 7 anos e chegou em casa muito brava porque um menino havia chamado ela de preta fedida. Obviamente a primeira pergunta que fiz a ela foi: você tomou banho direitinho? E ela inconformada com minha pergunta respondeu de imediato: claro papai! Então lhe dei um conselho: A próxima vez que ele falar assim com você, dê um murro bem forte na boca dele. Ela quase aceitou meu conselho, exceto a parte que dizia quando fosse da próxima vez. Ela não esperou a próxima vez; fui chamado no colégio e antes que falassem algo, perguntei: onde estão os pais do menino que ofendeu minha filha? E me disseram que não viam motivo para chamá-los. Então eu simplesmente disse que o dia em que todos se reunissem para tratar do assunto eu voltaria. Nunca mais me chamaram. Obviamente com minha maturidade de hoje não daria esse conselho novamente.
Creio que o episódio do Carrefour realmente deve ser usado para refletirmos esse tal de racismo e punir ao rigor exemplar da lei, caso fique caracterizado crime de ódio e racismo.
Mas eu de maneira profissional gostaria de avaliá-lo por outro viés, afinal, se focarmos todas as nossas energias em um único ponto, poderemos perder a oportunidade de corrigir diversos problemas que o ocorrido trouxe e vem trazendo de forma reincidente.
Como prova disso podemos citar aqui três episódios bastante emblemáticos, com uma desqualificação e irresponsabilidade profissional monstruosa, que marcaram algumas famílias.
1. 13/09/2002- jovem de 17 anos morto por um segurança no campus da Unicamp em Campinas.
2. 14/02/2019- jovem é morto com mata leão por segurança no Hipermercado Extra no Rio de Janeiro
3. 02/09/2019 – seguranças torturam jovem em supermercado da rede Ricoy na zona sul de São Paulo.
Quero chamar a atenção para a mão de obra barata, terceirizada sem nenhum critério, a não ser o menor custo que uma boa parte do empresariado contrata. Como consequência, o que vemos por aí são profissionais mal recrutados, mal treinados e mal supervisionados.
Vemos isso muito forte no ramo varejista, de material de construção e esportivo, mas não são os únicos, também vemos em uma parcela da indústria e em condomínios fechados a mesma prática.
Obviamente o Estado tem sua parcela de culpa nesse episódio. Existem leis que regram esse segmento que devem ser cumpridas e fiscalizadas, mas isso raramente acontece. É prerrogativa da Polícia Federal fiscalizar o setor. Como por exemplo, ao invés de ir no escritório operacional da empresa terceira, ir até o cliente final, onde a atividade está sendo executada na prática. O código civil é claro: o contratante pessoa jurídica é corresponsável pelos atos do terceiro. O terceiro só faz aquilo que o contratante manda e ponto.
Mas esse episódio deve servir para que estes setores observem que muitas vezes as perdas financeiras que atingem a imagem do estabelecimento são muitas vezes maior que a perda de míseros chocolates ou pequenos atritos que vez ou outra acontecem no local.
Sei que não é fácil, pois vivo na área de segurança há 30 anos, mas em todos esses anos sempre busquei tratar a segurança como meio de proteger a vida de todos, sem exceção, inclusive a do próprio infrator ou agressor. Para isso não basta somente algumas horinhas de treinamento em defesa pessoal. É preciso treinamento constante; comportamental, postural. Acompanhamento e avaliação ininterruptos da conduta desses profissionais, e em caso de qualquer indício de desvio, o mesmo deve ser retirado do local.
Alguns aprendem pelo amor, outros, infelizmente, somente pela dor. Mas o importante é aprender, corrigir, rever procedimentos, e acima de tudo, rever os VALORES que norteiam as empresas e a sociedade.