Jornal de Campinas

Artigo: Reforma Tributária “Transição complexa e aprovação apressada levantam incertezas”

Leonardo H. De Angelis/Crédito Matheus Campos

Reforma Tributária  

 

Por Leonardo H. De Angelis, advogado do Fereira Pires Advogados

 

A sanção da Lei Complementar 214/25, que regulamenta a reforma tributária, evidencia a condução apressada e insuficientemente debatida de uma transformação estrutural no sistema tributário brasileiro. Aprovada de forma célere, sem a devida maturação das discussões nos âmbitos técnico e político, a reforma impõe uma reestruturação significativa, substituindo os tributos ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto Seletivo. Apesar de sua ambiciosa proposta de simplificação tributária, há incertezas relevantes quanto à sua implementação e impactos práticos.

 

O regime de transição estabelecido, que se estenderá até 2033, reflete a complexidade e os desafios de operacionalizar um sistema baseado em IVA dual. Durante esse período, o convívio entre o modelo antigo e o novo demandará atenção redobrada de empresas, entes federativos e consumidores para adequar seus sistemas e práticas à nova realidade fiscal. Essa transição longa e gradual, ainda que necessária para mitigar impactos imediatos, pode ser fonte de insegurança jurídica, dada a falta de clareza em diversos pontos regulatórios.

 

Um exemplo prático surge no caso de créditos acumulados no regime anterior. Empresas que possuem saldos de crédito de ICMS ou PIS/Cofins podem enfrentar incertezas sobre como esses créditos serão compensados no novo sistema tributário, dada a falta de previsões detalhadas na regulamentação. Essa indefinição pode impactar o fluxo de caixa de setores com altas cadeias de valor agregado, como indústrias manufatureiras e exportadoras, agravando os desafios operacionais durante a transição.

 

Outro aspecto que merece atenção é a definição das alíquotas dos novos tributos. A previsão inicial de uma alíquota média de 28% para o IBS e a CBS já apresenta um aumento em relação ao texto originalmente aprovado pelo Congresso. Tal incremento não apenas reflete ajustes técnicos, mas também expõe potenciais distorções no modelo que podem impactar negativamente setores econômicos e a população em geral, especialmente diante da ausência de estudos mais robustos sobre os efeitos econômicos dessa carga tributária.

 

Ademais, embora setores como saúde e educação, dispositivos médicos e produtos essenciais da cesta básica contem com regimes diferenciados, esses benefícios podem ser insuficientes para compensar os potenciais aumentos de custos em outros segmentos. A introdução do mecanismo de devolução de tributos para consumidores de baixa renda, ainda que louvável em sua intenção, apresenta desafios operacionais que deverão ser superados para evitar que o “cashback” se torne ineficaz ou desigual na prática.

 

A aprovação apressada do texto final da Lei Complementar, sem o aprofundamento necessário de suas implicações, coloca o país diante de um cenário de incertezas que transcendem o mero ajuste técnico. O regime de transição, embora estruturado para mitigar impactos imediatos, demanda uma vigilância rigorosa e uma gestão qualificada, sob pena de perpetuar desigualdades fiscais e desorganizar a arrecadação tributária. Mais do que uma promessa de simplificação, a reforma exige um comprometimento com sua operacionalização equitativa e eficiente, sob o risco de transformar um projeto de modernização tributária em um novo foco de insegurança jurídica e instabilidade econômica.

 

Nesse contexto, a reforma não pode ser vista apenas como um instrumento técnico, mas como uma oportunidade histórica para promover um sistema tributário verdadeiramente justo e capaz de impulsionar o desenvolvimento econômico sustentável, desde que conduzida com responsabilidade, diálogo e respeito à complexidade federativa do Brasil, algo que, até o presente momento, parece estar sendo desconsiderado.

 

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