Clara Toledo Correa/arquivo pessoal
*Clara Toledo Corrêa
Por acaso você já imaginou alguém lhe avisando que não é mais possível você usar a sua própria marca? Pois foi exatamente isso que ocorreu recentemente com o artista brasileiro Renato Aragão – o eterno Didi dos Trapalhões -. O que ocorreu com o humorista, entretanto, ocorre todos os dias com milhares de brasileiros, mas no caso não são apenas boatos.
Isso é algo que alarma todo e qualquer empreendedor, pois os custos com a elaboração de uma marca (conjunto de ações alinhadas ao posicionamento, propósito e seus valores; definição de seu nome; divulgação institucional e publicitária e outros tantos investimentos) são extremamente caros. Podem significar até 2/3 de todo o patrimônio de uma empresa, principalmente para o pequeno empreendedor, MEI (Microemprendedor Individual) ou mesmo aqueles que sequer possuem um CNPJ.
Não obstante, Renato Aragão nunca possuiu o registro da marca Didi, mas, sim, o Direito Autoral de um personagem. Algo que é completamente distinto e que não exige registro, embora de extrema importância. Por outro lado, a emissora na qual Renato trabalhou uma boa parte de sua carreira, possui o registro da marca “A Turma do Didi”.
Além desses detalhes, uma empresa de tecnologia chinesa, foco da questão do ‘Didi não poder usar mais a sua marca’, requereu diversos pedidos de registros de marcas para assinalar serviços e produtos automotivos e de tecnologia em geral. Assim, a princípio, a expressão e nome de personagem Didi não sofre qualquer tipo de tolhimento por parte do humorista.
Tais fatos, portanto, nos alertam sobre a importância da gestão da Propriedade Intelectual e Industrial para além do “mero” registro de marca, uma vez que esse tipo de patrimônio, bem como os produtos, serviços que tal sinal assinala ou até mesmo personagens possuem inúmeras nuances além da expressão.
Nuances essas muitas vezes dispostas em leis e outras inúmeras vezes não. Por exemplo: a comprovação do uso anterior ao pedido de registro – o que faz com que tal uso possa ser comprovado por qualquer meio – está disposto em lei, além do registro em si.
Dessa forma, meios como CNPJ, domínio de internet, notas fiscais, redes sociais, publicações em mídias, etc., podem ser utilizados como comprovação de uso anterior. O que pode ocorrer no caso Renato Aragão e a marca Didi, caso o nome de seu personagem seja registrado por ele para assinalar produtos ou serviços relacionados com a sua atividade.
Embora existam tais meios de comprovação, é importante alertar ao empreendedor que não registrar a marca e ter que comprovar o seu uso anterior torna o processo de registro de marca ainda mais oneroso. Mas, não mais oneroso que ter que deixar de utilizar a sua marca, pagar indenização para terceiros e ter que modificar todo o seu negócio e a sua comunicação visual.
Acerca, ainda, do registro de domínio de internet como meio de comprovação, muitas vezes ele não se faz suficiente, uma que muitas pessoas utilizam o registro de domínio como uma atividade empresarial, ou melhor, lucrativa em si. Ou seja, pessoas registram domínios de internet de marcas conhecidas para vendê-los aos verdadeiros titulares ou obterem alguma vantagem, foi o que aconteceu com o caso Disney e o domínio de internet “Avengers End” em 2019.
Nesse caso, tal possibilidade se trata de uma brecha burocrática, uma vez que o sistema de registro de domínio de internet utiliza a regra do “first come, first served” (o primeiro que chegar se serve) e a Lei de Propriedade Industrial dispõe sobre a comprovação do uso anterior e o registro em si, bem como a Lei de Direitos Autorais.
Dessa forma, vemos que o processo de pedido de registro de marca em si não tem maior complexidade, ao contrário de toda a gestão do patrimônio imaterial – Propriedade Intelectual e Industrial. O que serve de alerta para o empreendedor nunca deixar de gerir adequadamente a sua marca.
Clara Toledo Corrêa é advogada, especialista em Propriedade Intelectual e Industrial, Marcas e Patentes e atua na Toledo Corrêa Marcas e Patentes.